terça-feira, 25 de novembro de 2008

Cântico Negro


"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde

Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

José Régio ( pseudônimo literário de José Maria dos Reis Pereira)

Delírios Noturnos


Não te incomodes, amor, não te incomodes,
Se em meus sonhos acaso te assusto.
É que meus demônios acordam enquanto durmo,
E varrem meus porões do inconsciente.
E nessa infatigável varredura,
Milhões de fragmentos em luta insana
Desabrocham num texto sem sentido,
Despejado da boca (o instrumento).
São pedaços do enredo de uma vida
Verdadeira e ilusória a um só tempo,
Que inda procura a chave dos mistérios
Que regem essa existência indecifrável.

Se acaso despertas e te assustas,
Durante meus delírios insondáveis,
Sacode esse meu corpo ora tomado
Que, com certeza, renasce a um beijo teu.

Antônio Carlos da Silva(Carlito)

O Texto da Mulher

O texto da mulher tem perfume que às vezes se sente só pelo título.
Tem todo o jeito de quem anda por andar, sinceramente sem querer chegar a lugar nenhum.
O texto da mulher dá pra ver que demorou muito tempo pra ficar pronto, e ainda não está.
Dá pra ver que uma mulher escreve pra outra — pra outra completar.
O texto da mulher tem um silêncio gostoso de se ouvir e pronto para ser quebrado.
Tem natureza própria: vento que sopra a cara e provoca os cabelos; lua que, nua, se banha no mar — festa nos navios negreiros...!

O texto da mulher dá orgulho: a gente fica lendo, boba, descobrindo um monte de coisas que já sabia e que só precisava lembrar.
O texto da mulher fecha os olhos quando faz carinho, como se fosse ele o acarinhado... todo texto de mulher tem um filho no presente e um amante no passado.
O texto da mulher faz arte: colore o que passa em branco na vida e pára o que passa rápido demais — põe o pé na frente e zás! Segue soberba, sabe que não adianta olhar — não para trás.
O texto da mulher parece sempre que foi a gente que escreveu —- será uma concatenação de saudades e esperanças comuns, ou alguém me esmiuçou sem eu deixar?
O texto da mulher treme, grita, chora e comemora em uma só língua; e faz a gente pensar que somos, todas, fragmentos de uma mesma criatura com dois lindos seios e um santo ventre, que caiu, quebrou e nos espalhou um dia.
O texto da mulher vale a pena a qualquer hora: de manhã, à tarde, de noite...
Esteja a solidão aqui, ou batendo na porta, do lado de fora.


Gabriela Mello Barbosa

As Mulheres


O cara faz um esforço desgraçado para ficar rico pra quê? O sujeito quer ficar famoso pra quê? O indivíduo malha, faz exercícios pra quê? A verdade é que é a mulher o objetivo do homem. Tudo o que eu quis dizer é que o homem vive em função de você. Vive e pensa em você o dia inteiro, a vida inteira. Se você, mulher, não existisse, o mundo não teria ido pra frente. Homem algum iria fazer coisa alguma na vida para impressionar a um outro homem, para conquistar um sujeito igual a ele, de bigode e tudo. Um mundo só de homens seria o grande erro da criação. Já dizia a velha frase que "atrás de todo homem bem-sucedido existe uma grande mulher". O dito está envelhecido. Hoje eu diria que "na frente de todo homem bem-sucedido existe uma grande mulher".

É você, mulher, quem impulsiona o mundo. É você quem tem o poder, e não o homem. É você quem decide a compra do apartamento, a cor do carro, o filme a ser visto, o local das férias. Bendita a hora em que você saiu da cozinha e, bem-sucedida, ficou na frente de todos os homens. E, se você que está lendo isto aqui for um homem, tente imaginar a sua vida sem nenhuma mulher. Aí na sua casa, onde você trabalha, na rua. Só homens. Já pensou? Um casamento sem noiva? Um mundo sem sogras? Enfim, um mundo sem metas?

ALGUNS MOTIVOS PELOS QUAIS OS HOMENS GOSTAM TANTO DE MULHERES:

1- O cheirinho delas é sempre gostoso, mesmo que seja só xampu.

2- O jeitinho que elas têm de sempre encontrar o lugarzinho certo emnosso ombro.

3- A facilidade com a qual cabem em nossos braços.

4- O jeito que têm de nos beijar e, de repente, fazer o mundo ficar perfeito.

5-Como são encantadoras quando comem.

6-Elas levam horas para se vestir, mas no final vale a pena.

7- Porque estão sempre quentinhas, mesmo que esteja fazendo trinta graus abaixo de zero lá fora.

8-Como sempre ficam bonitas, mesmo de jeans com camiseta e rabo-de-cavalo.

9-Aquele jeitinho sutil de pedir um elogio.

10- Como ficam lindas quando discutem.

11- O modo que têm de sempre encontrar a nossa mão.

12- O brilho nos olhos quando sorriem.

13- Ouvir a mensagem delas na secretária eletrônica logo depois de uma briga horrível.

14- O jeito que têm de dizer "Não vamos brigar mais, não.."

15- A ternura com que nos beijam quando lhes fazemos uma delicadeza.

16- O modo de nos beijarem quando dizemos "eu te amo".

17- Pensando bem, só o modo de nos beijarem já basta.

18- O modo que têm de se atirar em nossos braços quando choram.

19- O jeito de pedir desculpas por terem chorado por alguma bobagem.

20- O fato de nos darem um tapa achando que vai doer.

21- O modo com que pedem perdão quando o tapa dói mesmo (embora jamais admitamos que doeu).

22- O jeitinho de dizerem "estou com saudades".

23- As saudades que sentimos delas.

24- A maneira que suas lágrimas tem de nos fazer querer mudar o mundo para que mais nada lhes cause dor.

Isso não é uma corrente, apenas mande para todas as mulheres de sua lista para elas perceberem o quanto são importantes, e para os homens, para que eles lembrem o quanto vocês são essenciais!!!
Arnaldo Jabor

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Canção na plenitude


Não tenho mais os olhos de menina
nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)
O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar

quando antigamente quereria
apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vai
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força — que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés — mesmo se fogem — retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.


Lya Luft

Receita de Mulher


Os olhos sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto
A da terra. (Vinícius de Moraes)
O seu semblante, redondo
Sobrancelhas arqueadas
Negros e finos cabelos
Carnes de neve formadas. (Thomaz Antônio Gonzaga)
Simpáticas feições, cintura breve,
Graciosa postura, porte airoso,
Uma fita, uma flor entre os cabelos. (Gonçalves Dias)
Verde carne, tranças verdes. (Garcia Lorca)
Lábios rubros de encanto
Somente para o beijo. (Junqueira Freire)
A sua língua, pétala de chama. (Cândido Guerreiro)
Nos lobos das orelhas
Pingentes de prata. (Gonçalves Crespo)
Mão branca, mão macia, suave e cetinosa
Com unhas cor de aurora e luz do meio dia
Nas hastes cor-de-rosa. (Luiz Delfino)
Os braços frouxos, palpitante o seio. (Casimiro de Abreu)
O dorso aveludado, elétrico, felino
Porejando um vapor aromático e fino. (Castro Alves)
Seu corpo tenha a embriagues dos vícios. (Cruz e Souza)
Com mil fragrâncias sutis
Fervendo em suas veias
Derramando no ar uma preguiça morna. (Teófilo Dias)
Nádegas é importantíssimo
Gravíssimo porém é o problema das saboneteiras
Uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes. (Vinícius de Moraes)
As curvas juvenis
Frescas de ondulações de forma florescente
Imprimindo nas roupas um contorno eloqüente. (Álvares de Azevedo)
Qualquer coisa que venha de ânsias ainda incertas
Como uma ave que acorda e, inda mal acordada,
Move, numa tonteira, as asas entreabertas. (Amadeu Amaral)
De longe, como Mondrians
Em reproduções de revistas
Ela só mostre a indiferente
Perfeição da geometria. (João Cabral de M. Neto)
Que no verão seja assaltada por uma
Remota vontade de miar. (Rubem Braga)
A graça da raça espanhola
A chispa do Touro Miura
Tudo que um homem namora
Tudo que um homem procura. (Paulo Gomide)
E todo o conjunto deve exprimir a inquietação e espera. Espera, eu disse? Então vou indo, que senão, me atraso!

*Vinícius que me perdoe plagiá-lo. Mas beleza é fundamental. (M.F.)

Millôr Fernandes

Aflição...

"Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)
Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel
Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra."


Hilda Hilst

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Ousar Querer

O que mais quero é remover,
A monotonia de minha vida,
Incinerar tudo que me fez sofrer
E fazer novamente o caminho de ida.
Assim não mais estarei sozinha,
Nem por um só instante sequer!
Terei alguém em minha companhia,
Terei a felicidade de poder querer!
Viver dando razão a minha vida,
De abraçar todos os meus amigos,
De agradar meus companheiros,
De receber as graças devidas. . .
Estarei pronta para ser feliz!

Quando Deus receber minha oração,
Saberei captar o que a vida me diz!
Com o verdadeiro pedido de perdão,
Compreendendo bem o Universo,
Não estarei mais longe de ti
Terei um mundo muito melhor,
Se alguém me ouvir com amor!

“Ouvir e ser ouvido com afeto é o mínimo que se exige hoje, para se ser feliz!"


Maria Inez-Mifori

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Beijo Eterno


Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira
e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue.
Acalma-o com o teu beijo,
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!
De arrebol a arrebol,
vão-se os dias sem conto!

E as noites, como os dias,
sem conto vão-se, cálidas ou frias!
Rutile o sol
Esplêndido e abrasador!
No alto as estrelas coruscantes,
Tauxiando os largos céus,
brilhem como diamantes!
Brilhe aqui dentro o amor!
Suceda a treva à luz!
Vele a noite de crepe a curva do horizonte;
Em véus de opala a madrugada aponte
Nos céus azuis,
E Vênus, como uma flor,
brilhe, a sorrir, do ocaso à porta,
brilhe à porta do oriente!
A treva e a luz - que importa?
Só nos importa o amor!
Raive o sol no verão!
Venha o outono!
Do Inverno os frígidos vapores
Toldem o céu! das aves e das flores
venha a estação!
Que nos importa o esplendor
Da primavera, e o firmamento
Limpo, e o sol cintilante,
e a neve, e a chuva, e o vento?
- Beijemo-nos amor!
Beijemo-nos! Que o mar
Nossos beijos ouvindo,
em pasmo a voz levante!
E cante o sol! a ave desperte e cante!
Cante o luar.
Cheio de um novo fulgor!
Cante a amplidão!
Cante a floresta!
E a natureza toda, em delirante festa,
Cante, cante este amor!
Rasgue-se, à noite, o véu das neblinas,
e o vento inquira o monte e o vale:
"Quem canta assim?"
E uma áurea estrela fale
Do alto do céu
ao mar, presa de pavor:
"Que agitação estranha é aquela?"
E o mar adoce a voz, e à curiosa estrela
Responda que é o amor!
E a ave, ao sol da manhã,
Também, a assa vibrando,
à estrela que palpita
Responda, ao vê-la desmaiada e aflita:
"Que beijo, irmã!
Pudesses ver com que ardor
Eles se beijam loucamente!"
E inveje-nos a estrela...
e apague o olhar dormente,
Morta, morta de amor!...
Diz tua boca: "Vem!"
"Inda mais!" diz a minha,
a soluçar...Exclama
Todo o meu corpo que o teu corpo chama:
"Morde também!"
Ai! morde! que doce é a dor
Que me entra as carnes, e as tortura!
Beija mais! morde mais! que eu morra de ventura,
Morro por teu amor!
Ferve-me o sangue:
acalma-o com teu beijo!
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!

Olavo Bilac

segunda-feira, 2 de junho de 2008

A Mulher de São Jorge


Cabia o mundo em seus olhos castanhos, quase esverdeados, abrilhantados por todas as estrelas dos sonhos mais infantis.
Pelo retrovisor, avistava os faróis no engarrafamento gigantesco.
Soprava um vento gelado contra os vidros da janela do seu automóvel, fazendo embaçar a visão, distorcer a realidade.
Nada conseguia se mover em quilômetros no abarrotar da rodovia.
E o rádio tocava músicas antigas de amores desperdiçados,

que a fez recordar o quanto duro era seu coração.
Seus dedos dos pés franziram, os pêlos arrepiaram
e o corpo ficou trêmulo.
Deitou a cabeça sobre o volante e fraquejou
no arquear das sobrancelhas,
que se alongou até as pálpebras,
fazendo-a cair num adormecer profundo,
quase moribundo.
Permaneceu por algum tempo naquela posição,
sob o ronco amortecido do motor,
abafada por dezenas de buzinas raivosas.
Quando acordou, sentiu a boca amarga em enxofre,
a pele seca e enrugada feito escama de peixe.
De tão enfastiada e atordoada,
parecia que tinha hibernado por meses, anos, séculos...
Confusa,
olhou o próprio reflexo através de um espelho no porta-batom.
Gritou amedrontada, de pavor e nojo!
Virara um dragão, de cor avermelhado,
com longas garras, asas enormes
e dentes afiados que se entrelaçavam a finos bigodes.
Retorceu-se dentro do carro,
assustada com seu estado grotesco de besta,
e arrancou as poltronas
e abriu o teto com uma rajada de fogo incandescente!
Voou rumo a uma constelação distante
para curar a ira de ter perdido,
na rotina das pequenas chateações,
a meiguice encantada de mulher.
Taciano de Jesus Mattos


quarta-feira, 28 de maio de 2008

Metade


E que a força do medo que tenho
não me impeça de viver o que anseio.
Que a morte de tudo o que acredito
não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
mas a outra metade é silêncio.
Que a música que eu ouço ao longe,
seja linda, ainda que tristeza.
Que a mulher que eu amo seja pra sempre
amada mesmo que distante

Porque metade de mim é partida
e a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece
nem repetidas com fervor
apenas respeitadas
como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que eu ouço
mas a outra metade é o que calo.
Que essa vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corroe por dentro
seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso
e a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste
que o convíveo comigo mesmo
se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto
um doce sorriso
que me lembro ter dado na infância
Porque metade de mim
é a lembrança do que fui
a outra metade eu não sei.
Que não seja preciso mais
do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
mas a outra metade é cansaço
Que a arte nos aponte uma resposta
mesmo que ela não saiba
E que ningém a tente complicar
porque é preciso simplicidade
para fazê-la florescer
Porque metade de mim é a platéia
e a outra metade é canção
E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
e a outra metade...também.

Oswaldo Montenegro

A Mão Que Escreve


Tarde morna. Brisa perfumada balançando folhas.
Pequenos pássaros, grandes borboletas,
extraem o pólen das flores no cio...
O gato, impaciente, quer carinho.
O silêncio, ensurdecedor, desperta angústia.
As bananeiras carregam pesados cachos,

não podendo, viver sem fardos.
É a natureza irracional. Latente...
Mentes insanas saboreiam bananas.
Olhos voam com a brisa.
Ouvidos entardecem mornos.
Mãos seguram perfumes.
Braços se estendem.
Corpos balançam mostrando seu sexo.
É a transcendental natureza humana inerente...
Irreverente e astuta, a Mão escreve.
Coloca no papel palavras desconexas.
Usa a imaginação sem fantasia.
Raciocina sem coerência.
Quer escrever tesão e só consegue amargura...
Formas disformes encontram ritmo
nas palavras escritas sem recato.
Discrimina, escolhe.
Não resolve, nem pôe término ao tédio.
Sacrilégio, escrever sem ver,
profanas palavras não escritas.
Um muro ergue-se diante dos olhos.
Chuchus escalam fios cortantes até o telhado.
As nuvens tudo percebem.
Aviões atravessam suas ruas etéreas...
Lânguidos pensamentos esvoaçam desejos...
A Mão que escreve é um lampejo de liberdade.
Quer conhecer o braço que lhe dá movimento.
Descobrir o corpo que a carrega.
A cabeça condutora.
A essência que a faz escritora.
- Não a deixarei me corrigir - diz a Mão, persistente.
Quero ver com meus próprios dedos, sem unhas esmaltadas.
Vou errar sozinha!
Tento frear esse impulso em vão.
Ela, a Mão, é feroz e corajosa.
Eu, insegura e passiva.
Devo dominar essa Mão desorientada.
Sei que é preciso.
Olho ao redor e me vejo só.
Nada pode impedí-la de continuar seu intento.
Lembro-me da outra mão.
Porém, o que poderá ela fazer, se é destra?
Decido, finalmente, usar da força.
Faço a outra mão agredi-la.
Junto coragem e seguro com veemente severidade
a Mão dominadora.
Esta, revoltada, volta seus dedos faiscantes para mim.
Jogo meu olhar contra suas faíscas e consigo,
assim, controlar a Mão.
Foi um processo de autodisciplina válido e doloroso.
O resultado está por surgir de minhas entranhas.
Do meu sangue corrente intravenoso.
Do escarro na garganta. Da náusea predominante...

Ligia Tormachio

quarta-feira, 21 de maio de 2008

De Libélula à Borboleta

Fugistes querida, bem sei, para em teu castelo te ocultar!
Por que te amedrontas tanto assim?
Duvidas de mim?
Não resistes aos meus galanteios, ou outro tens a te encantar?
Não vê que por pouco tempo te secretarás?
Pois no impulso do tempo teu casulo romperás?
Que fazes aí? Se nem o sol descortinas a raiar?
Tuas amigas, companheiras, já estão a te sondar.
Aflitas, querem te escutar. Não ouves o seu farfalhar?

Flores multicoloridas como tuas asas, aquí estão a te espreitar.
Pensam...
Que faz essa menina sem trabalhar? Descansa sem parar?
É a lei da Natureza: deve polinizar
Veja, estrelas estão a brilhar!
E, nossos olhos a encantar.
Sai Amor! Todos estão a te esperar.
E eu, sofrendo, ansioso, a te aguardar.
Não precisas tanto te enfeitar. És bela como o Luar.
Fostes obra da Mãe Natureza, e até a Lua está a te invejar.
Vem querida, não demore ...
Pois, louco estou pra te beijar. E, tuas faces acariciar.
Elas rubras como carmim, a me aceitar.
Ah, deixa-me sonhar!
Sai amor, este "casulo" é pobre, é escuro,
não serve pra te abrigar, te aconchegar.
Muito mais estou a te ofertar.
O Castelo é lindo, crê em mim, vais adorar!
Em noites enluaradas,
horas e horas, sem fim, me ponho a pensar.
Que fiz de tão mal, ó Deus, pra sofrer tanto assim?
Quantas noites ainda devo aguardar, pra minha Princesa se aprontar.
Por que me rejeitar?
Se em seus pés coloco todo o meu Ser, todo o meu Viver.
Outro tens disputando o teu coração?
E, pensas em lhe dar a mão. Estas Belas Asas Azuis, Não!
Não resistirei, e ele enfrentarei .
Pensa enquanto aí estás, só amar?
O que vais ganhar? Sei que fugistes para meditar.
Pois não era hora de tuas vestes trocar!
Só peço: não tardes tanto! Posso perder o encanto!
E, nos caminhos de tua vida Outro podes,
não encontrar que tão enamorado e ardente esteja
Que tanto se exponha e, te deseja!
Em uma noite de luar outro sincero amor encontrar.
Seu Príncipe Encantado, seu Eterno Namorado
O Pirilampo Enamorado!

Anjo Poeta

terça-feira, 20 de maio de 2008

Era Uma Vez


Era uma vez...
numa terra muito distante...
uma princesa linda,
independente e cheia de auto-estima.
Ela se deparou com uma rã
enquanto contemplava a natureza
e pensava
em como o maravilhoso lago do seu castelo
era relaxante e ecológico...
Então, a rã pulou para o seu colo e disse:
linda princesa,
eu já fui um príncipe muito bonito.
Uma bruxa má lançou-me um encanto
e transformei-me nesta rã asquerosa.
Um beijo teu, no entanto,
há de me transformar de novo
num belo príncipe
e poderemos casar e constituir lar feliz
no teu lindo castelo.
A tua mãe poderia vir morar conosco
e tu poderias preparar o meu jantar,
lavar as minhas roupas,
criar os nossos filhos
e seríamos felizes para sempre...
Naquela noite,
enquanto saboreava pernas de rã sautée,
acompanhadas de um cremoso molho acebolado
e de um finíssimo vinho branco,
a princesa sorria,
pensando consigo mesma:
- Eu, hein?... nem morta!!!
Luis Fernando Veríssimo

Motivo


Eu canto
porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto.
E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
Cecília Meireles

Que Mulher é Essa

Que mulher é essa
que não se cansa nunca,
que não reclama nada,
que disfarça a dor?
Que mulher é essa
que contribui com tudo,
que distribui afeto,
tira espinhos do amor!
Que mulher é essa
de palavras leves,

coração aberto,
pronta a perdoar?
Que mulher é essa?
que sai do palco,
ao terminar a peça,
sem chorar!
Essa mulher existe,
sua doçura resiste,
às dores da ingratidão.
Resiste à saudade imensa,
resiste ao trabalho forçado,
resiste aos caminhos do não!
Essa mulher é MÃE,
linda, como todas são.

Ivone Boechat

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Porto Solidão


Se um veleiro
repousasse
na palma da minha mão
Sopraria com sentimento
e deixaria seguir sempre
Rumo ao meu coração,
Meu coração
na calma de um mar
Que guarda tamanhos segredos
Diversos naufragados
e sem tempo
Rimas, de ventos e velas
vida que vem e que vai
A solidão que fica e entra
Me arremessando contra o cais
Jesse

Não Dá Mais Pra Segurar (Explode Coração)


Chega de tentar dissimular
E disfarçar e esconder
O que não dá mais pra ocultar
E eu não quero mais calar
Já que o brilho desse olhar
Foi traidor e entregou
O que você tentou conter
O que você não quis desabafar
Chega de temer, chorar
Sofrer, sorrir, se dar
E se perder e se achar
E tudo aquilo que é viver
Eu quero mais é me abrir
E que essa vida entre assim
Como se fosse o sol
Disvirginando a madrugada
Quero sentir a dor dessa manhã
Nascendo, rompendo, tomando
Rasgando meu corpo e, então, eu
Chorando, sorrindo, sofrendo,
Adorando, gritando
Feito louca, alucinado e criança
Eu quero o meu amor se derramando
Não dá mais prá segurar
Explode coração!

Gonzaguinha

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Maria, Carnaval e Cinzas


Nasceu Maria quando a folia
Perdia a noite, ganhava o dia
Foi fantasia seu enxoval
Nasceu Maria no Carnaval
E não lhe chamaram assim
Como tantas Marias de santas
Marias de flor, seria Maria
Maria somente, Maria semente
De samba e de amor
Não era noite não era dia
Só madrugada, só fantasia
Só morro e samba
Viva Maria
Quem sabe a sorte
Lhe sorriria e um dia viria
De porta-estandarte
Sambando com arte
Puxando cordões e em plena
Folia de certo estaria
Nos olhos e sonhos de mil
Foliões
Morreu Maria quando a folia
Na quarta feira também morria
E foi de cinzas seu enxoval
Viveu apenas um Carnaval
Que fosse chamada
Então como tantas
Marias de santas
Marias de flor, em vez de Maria
Maria somente,
Maria semente
De samba e de dor
Não era noite, não era dia
Somente restos de fantasia
Somente cinzas, pobre Maria
Jamais a vida lhe sorriria
E nunca viria de
Porta-estandarte
Sambando com arte
Puxando cordões
E não estaria em plena folia
Nos olhos e sonhos De mil foliões

Roberto Carlos

Mulheres


Mulher! feita bela,
pra alegria da criação.
Fonte de desejos,
alguns puros, outros malfazejos...
Tal e qual um dilema,
cantada em poema;
ela ama e é amada;
como entender
que nem sempre
o canto é bem querer!
Delicado botão de flor, na esperança
do calor da manhã, enfeitada de cores,
abrindo-se aos amores.
Colhida, despetalada

usada e fenecida.
Espalhe as benesses,
do amor o conteúdo,
com o próximo
mais próximo
teu companheiro de tudo
aí então, serás
louvada como mereces!
Sem direito de exigir,
seu lugar de existir...
Quantos cultores,
colhem estas flores,
sem lhes ver as cores;
no afã de despertar,
seu frescor, sem pensar,
na igualdade deste par...
Ela mesmo, não decide;
é tudo tão sutil
no contexto da vida,
não sabe a que veio,
se pra ser ela,
ou objeto útil!
Onde foi perdida
a noção digna?
Ela não se importa
e colabora
com a ação maligna!
Expõe-se dividida,
em luxuriosa oferta,
chamariz que desperta
a troca inflamante
do não, por sobrevida!
Mulher! feita bela
dona de mil poderes...
Porque consentes
no domínio das dores ?!!!
Levante a cabeça!
Criatura sem limites!
Não esqueças
Ser parte do universo,
só farás se permitires!
Mire-se por dentro,
veja a imagem formosa,
tome novo alento.
Caminhe... e sejas vitoriosa
O supremo Deus, criador,
fonte de vida e amor,
criou-te pra completar,
com dignidade impar,
tua missão de gerar,
mais amores que os teus,
multiplicidade de Deus !

Lourdes Ferreira Motta

HOMENAGEM AO DIA DAS MÃES


No princípio eu era a Eva
Criada para a felicidade de Adão
Mais tarde fui Maria
Dando à luz Aquele
Que traria a salvação
Mas isso não bastaria
Para eu encontrar perdão.
Passei a ser Amélia
A mulher de verdade
Para a sociedade
Não tinha a menor vaidade
Mas sonhava com a igualdade.
Muito tempo depois decidi: Não dá mais!
Quero minha dignidade
Tenho meus ideais!
Hoje não sou só esposa ou filha
Sou pai, mãe, arrimo de família
Sou caminhoneira, taxista,
Piloto de avião, policial feminina,
Operária em construção...
Ao mundo peço licença
Para atuar onde quiser
Meu sobrenome é COMPETÊNCIA
E meu nome é MULHER..!!!
Autor: Desconhecido...

segunda-feira, 24 de março de 2008

Olha Maria


Olha Maria
Eu bem te queria
Fazer uma presa
Da minha poesia
Mas hoje, Maria
Pra minha surpresa
Pra minha tristeza
Precisas partir
Parte, Maria
Que estás tão bonita
Que estás tão aflita
Pra me abandonar
Sinto, Maria
Que estás de visita
Teu corpo se agita
Querendo dançar
Parte, Maria
Que estás toda nua
Que a lua te chama
Que estás tão mulher
Arde, Maria
Na chama da lua
Maria cigana
Maria maré

Chico Buarque

Todas As Mulheres Do Mundo

Elas querem é poder!
Mães assassinas, filhas de Maria
Polícias femininas, nazijudias
Gatas gatunas, kengas no cio
Esposas drogadas, tadinhas, mal pagas
Toda mulher quer ser amada
Toda mulher quer ser feliz
Toda mulher se faz de coitada
Toda mulher é meio Leila Diniz
Garotas de Ipanema, minas de Minas
Loiras, morenas, messalinas
Santas sinistras, ministras malvadas
Imeldas, Evitas, Beneditas estupradas
Toda mulher quer ser amada
Toda mulher quer ser feliz
Toda mulher se faz de coitada
Toda mulher é meio Leila Diniz
Paquitas de paquete, Xuxas em crise
Macacas de auditório, velhas atrizes
Patroas babacas, empregadas mandonas
Madonnas na cama, Dianas corneadas
Toda mulher quer ser amada
Toda mulher quer ser feliz
Toda mulher se faz de coitada
Toda mulher é meio Leila Diniz
Socialites plebéias, rainhas decadentes
Manecas alcéias, enfermeiras doentes
Madrastas malditas, superhomem sapatas
Irmãs La Dulce beaidetificadas
Toda mulher quer ser amada
Toda mulher quer ser feliz
Toda mulher se faz de coitada
Toda mulher é meio Leila Diniz

Rita Lee

Tente outra vez

Não diga que a canção está perdida
Tenha em fé em Deus, tenha fé na vida
Tente outra vez
Beba!
Pois a água viva ainda está na fonte
Você tem dois pés para cruzar a ponte
Nada acabou, não não não não
Tente
Levante sua mão sedenta e recomece a andar
Não pense que a cabeça agüenta se você parar,
Há uma voz que canta, uma voz que dança, uma voz que gira
Bailando no ar
Queira
Basta ser sincero e desejar profundo
Você será capaz de sacudir o mundo, vai
Tente outra vez
Tente
E não diga que a vitória está perdida
Se é de batalhas que se vive a vida
Tente outra vez
Se tudo parecer perdido, não se entristeça, apenas ouça o que diz a canção...

Raul Seixas

Felicidade

Basta ter tudo o que é preciso
Precioso é ter o essencial
O sal, o sol, o seu sorriso
Tudo mais simples, natural
Tendo eu você comigo
Um pouco mais do que a eternidade
Mais a sorte de amar amigos

Isto quer dizer felicidade
Ser feliz não é nenhum direito
É o destino para o qual nós fomos feitos
É a Lei, o Verbo, a Verdade
Que o menor direito é o da dignidade:
O pão, o trabalho, a casa
As palavras, as vozes, o canto
O branco, o negro, o homem
A mãe, o pai, a pátria-vida
No tempo o sacrifício de ser
Vale a pena o ofício viver


Itamar Socrates

Corpo de Mulher


Corpo de mulher,brancas colinas,coxas brancas,assemelhas-te ao mundo no teu jeito de entrega.
O meu corpo de lavrador selvagem escava em tie faz saltar o filho do mais fundo da terra.
Fui só como um túnel.
De mim fugiam os pássaros,e em mim a noite forçava a sua invasão poderosa.
Para sobreviver forjei-te como uma arma,como uma flecha no meu arco, como uma pedra na minha funda.
Mas desce a hora da vingança, e eu amo-te.
Corpo de pele, de musgo, de leite ávido e firme.
Ah, os copos do peito!
Ah, os olhos de ausência!
Ah, as rosas do púbis!
Ah, a tua voz lenta e triste!
Corpo de mulher minha, persistirei na tua graça.
Minha sede, minha ânsia sem limite, meu caminho indeciso!
Escuros regos onde a sede eterna continua,e a fadiga continua, e a dor infinita.

Pablo Neruda

Vigiai e orai

De quando em quando, é imprescindível que dialogues contigo mesmo.
Que te contemples, a sós, na face espelhada da consciência.
Que te indagues quanto aos teus propósitos na vida.
Que efetues honesto balanço de tuas ações.
Que não sustentes qualquer ilusão a teu respeito.
Que não representes para ti mesmo.
Que te desnudes no silêncio de tuasreflexões.
Que te vejas como não ousasmostrar-te aos outros.
Que analizes as tuas tendências e conheça as tuas inclinações.
Que estejas com Deus, sem que ninguém mais
esteja comigo.

Carlos A. Baccelli
Contribuição:Irmão José