terça-feira, 29 de novembro de 2011

Em Novembro

Nostálgico este dia,
Neste mês tão peculiar como é Novembro.
Tudo se clarifica e refina;
As árvores despem-se de vez numa ousadia que desengana as cores-frias-de-amarelo-fogo que revestem o Outono.
Em Novembro,
A estação atinge a sua plenitude.
A chuva perde a sua timidez;
O frio engalanado lidera manhãs, tarde e noites;
E o amigo vento alia-se de bom grado, para juntos trazerem o mau tempo em pessoa.
Novembro,
É o mês que proporciona a autenticidade do que na Natureza é per si genuíno.
As noites de Novembro tornam especiais os primeiros serões à lareira e exultam o estado de reflexão.
É altura de nos rendermos e procurarmos "aquele" cachecol tão quentinho que relembra o sabor único das castanhas assadas...
Em Novembro,
O nevoeiro matinal envolve de mistério a aurora, e o Sol seu prisioneiro, tenta em vão brilhar.
Em Novembro,
A nostalgia preenche os dias e abraça as noites de uma forma única e especial...

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Não Sei Quantas Almas Tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não sou eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu?"
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Novos Horizontes

Corpos em movimento
Universo em expansão
O apartamento que era tão pequeno
Não acaba mais
Vamos dar um tempo
Não sei quem deu a sugestão
Aquele sentimento que era passageiro
Não acaba mais
Quero explodir as grades
E voar
Não tenho pra onde ir
Mas não quero ficar

 Novos horizontes
Se não for isso, o que será?
Quem constrói a ponte
Não conhece o lado de lá
Quero explodir as grades
E voar
Não tenho pra onde ir
Mas não quero ficar
Suspender a queda livre
Libertar
O que não tem fim sempre acaba assim













Engenheiros do Hawaii

Hino Nacional Brasileiro

Ouviram do Ipiranga as margens plácidas
De um povo heroico o brado retumbante,
E o sol da Liberdade, em raios fúlgidos,
Brilhou no céu da Pátria nesse instante.

Se o penhor dessa igualdade
Conseguimos conquistar com braço forte,
Em teu seio, ó Liberdade,
Desafia o nosso peito a própria morte!

Ó Pátria amada,
Idolatrada,
Salve! Salve!



Brasil, um sonho intenso, um raio vívido,

De amor e de esperança à terra desce,
Se em teu formoso céu, risonho e límpido,
A imagem do Cruzeiro resplandece.

Gigante pela própria natureza,

És belo, és forte, impávido colosso,
E o teu futuro espelha essa grandeza.

Terra adorada

Entre outras mil
És tu, Brasil,
Ó Pátria amada!

Dos filhos deste solo

És mãe gentil,
Pátria amada,
Brasil!


Deitado eternamente em berço esplêndido,
Ao som do mar e à luz do céu profundo,
Fulguras, ó Brasil, florão da América,
Iluminado ao sol doNovo Mundo!

Do que a terra mais garrida
Teus risonhos, lindos campos têm mais flores,
"Nossos bosques têm mais vida",
"Nossa vida" no teu seio "mais amores".

Ó Pátria amada,
Idolatrada,
Salve! Salve!

Brasil, de amor eterno seja símbolo
O lábaro que ostentas estrelado,
E diga o verde-louro dessa flâmula
- Paz no futuro e glória no passado.

Mas se ergues da justiça a clava forte,
Verás que um filho teu não foge à luta,
Nem teme, quem te adora, a própria morte.

Terra adorada
Entre outras mil
És tu, Brasil,
Ó Pátria amada!

Dos filhos deste solo
És mãe gentil,
Pátria amada,
Brasil! 


Joaquim Osório Duque Estrada

Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores

Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Nas escolas nas ruas, campos, construções
Caminhando e cantando e seguindo a canção

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Pelos campos há fome em grandes plantações
Pelas ruas marchando indecisos cordões
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
E acreditam nas flores vencendo o canhão


Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

Há soldados armados, amados ou não
Quase todos perdidos de armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição
De morrer pela pátria ou viver sem razão
 Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

 

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Somos todos soldados, armados ou não
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Os amores na mente, as flores no chão
A certeza na frente, a história na mão
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Aprendendo e ensinando uma nova lição

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.


Geraldo Vandré

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Amazônia

Antes da pátria, eras úmida promessa…
semente primordial
árvore mãe
planta continental
arvoredo, floresta, selva palpitante.
Hoje canto tua  vertical beleza
o mogno gigantesco,  sua estatura secular
seu colossal diâmetro
canto essa caudalosa geografia
essa multidão de vidas que sustentas
canto o itinerário sazonal da seiva
e  essa infinita linfa…
parto de infinitas criaturas.
Canto teu verde planetário
e no teu imenso respirar,
canto o nosso pão de oxigênio…
Canto a ti… Amazônia
bosque inquietante da esperança…
e  eis porque denuncio esse machado cruel sobre  teu peito…
essa fruta milenar, dia a dia devorada.

Antes da grande nação…já eras tu…
a nação primogênita
filha dos filhos da mata.
A infância da pátria foste tu,
sílaba aborígine, idioma tupi
cerâmica, canoa e tacape
ritual, dança e canção.
Foste tu a raiz,  sangue ameríndio
o parto da nacionalidade.
Hoje canto os povos da floresta
e o desencanto dessa memória esquecida.
Falo de sobreviventes
de tribos desgarradas
de aldeias tristes
de sonhos desmatados
de segredos e tradições pirateadas
das águas lavadas na bateia do mercúrio.

Amazônia….Amazônia…
quem deterá o teu martírio
uma vida tão diversa num  adverso viver…
Falo dos teus hectares de sangue
da lâmina cruel, da pira ardente
dessa cartilha de serras, rifles e archotes
dessa morte plural
na diversidade de aves e primatas
roedores, felinos e serpentes.
Falo de uma terra de cepos
de raízes degoladas
de caules retalhados
de castanheiras preservadas… a morrer de solidão.
Falo da linha negra do fogo
e desse cemitério de troncos defumados.

Falo da floresta sitiada
por uma legião de máquinas assassinas
falo de estradas e picadas clandestinas
de súbitas clareiras
desse assalto interminável… lento e invisível.
Falo de grileiros, posseiros, garimpeiros, bandoleiros
e de terras demarcadas sob a mira das pistolas.
Falo de dragas e crateras
das águas manchadas e dos rios estropiados.
Falo da vida degradada pelas pastagens da ambição.

Amazônia…Amazônia…
com que verde vestiremos nosso mapa
acuados pelo apetite voraz das motosserras,
por uma fronteira incinerante que avança insaciável.
Acuados pelo gatilho mercenário da violência
e pelo estigma oficial da impunidade.

Passo a passo e esse avizinhar-se do colapso…
quantos fóruns se abrirão para “resolver” essa tragédia!?
Crimes silenciados na cumplicidade regional dos gabinetes…
gritos sem eco nas vozes da omissão…
acenos sem resposta nos protocolos renegados…
e o poder dos maiorais contra tudo o que respira.



Deixaste ali teu heróico testemunho
teu seringal sagrado
teu rosto  solidário.
Contigo… caiu o tronco ensangüentado…
Tua alma…teu nome…Chico Mendes,
sobrevivem  em deslumbrante  hiléia,
na invisível bandeira das espécies
e na memória da pátria agradecida.

Depois chegaste tu…Dorothy  Stang…
estrangeira,  franzina e destemida
desafiando   víboras e chacais
e defendendo a floresta com a paz do nazareno.
Em  Anapu  ergueram teu calvário
mas  hoje  ergo aqui,  no jardim humilde da poesia,
a tua estátua de missionária imperecível.
Amazônia… Amazônia…
Quantos ainda cairão para que sobrevivas?
Com que vozes  cantaremos a esperança
enlutados  pela ausência dos que ousaram manter suas denúncias?
quem te fará justiça?
quem suspenderá esse cerco que te aperta lentamente?
como conter teu holocausto
e a agonia silenciosa das espécies?

E eis porque canto o desencanto da árvore secular que tomba
e essa sinistra paisagem de troncos decepados…
E falo da imensa copa baqueada…
seus frutos, seus aromas
remédios e resinas,
seus colares e adereços…
Falo de samambaias e orquídeas
de cipós e de bromélias agonizantes.
De garras, patas e plumagens…
de berços destroçados, de ninhos mortos
e dessa maternidade em lágrimas.

Falo do patrimônio ambiental da pátria
da grilagem descarada
de negociatas e falsos documentos. 

Falo da destruição diária e sorrateira
de pastagens criminosas
e de uma ingrata agricultura.
Falo da natureza usada e abandonada
de uma terra arrasada
e de um deserto verde que cresce…dia a dia.

Eis tu…e eu te chamo legião…
o mundo te observa e nos pergunta: por quê???
e todos nos perguntamos: até quando???
os que irão nascer perguntarão quem foste tu e por que tanto desamor…
os céus vigiam teus passos,
rastreiam teus crimes
e a tua sombra imensa que avança para o norte…
Sabem de ti o rei e os seus vassalos…
conhecem  teus látegos de aço
tua tocha incendiária
teus cúmplices e tuas vítimas
tuas mãos manchadas com o sangue da floresta…
Somos os que te acusamos
nessas sementes queimando
nessas pétalas feridas
nesses pássaros sem ninho…








Somos os que assistimos, impotentes, esse indigesto banquete,
tua dieta vegetariana
e a euforia com que brindas o lucro e o  bom negócio
nessa taça transbordante de cinzas, de sangue e de lágrimas…

Amazônia… Amazônia… sem lei, sem testemunhas…
e essa  oficial improvidência…
 

Nada que te ampare…
nada..
Talvez um vento reverso
uma chuva perene que apague essa queimada.
Talvez um decreto impossível
uma lei implacável
a mão de Deus, quem sabe…
a espada da justiça pra sangrar os que te sangram…
algo que feche essa ferida
algo que estanque essa agonia.
Quem sabe, o refluxo imperdoável do teu próprio martírio…
uma malária cruel…
algo que empeste essa ganância…
antes… bem antes
que essa segunda geração de abutres choque também os seus filhotes.



Manoel de Andrade

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Palco da Vida

Você pode ter defeitos,
viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,
mas não se esqueça de que sua vida é a maior empresa do mundo.
E você pode evitar que ela vá a falência.
Há muitas pessoas que precisam,
admiram e torcem por você.
Gostaria que você sempre se lembrasse de que ser feliz
não é ter um céu sem tempestade,
caminhos sem acidentes,
trabalhos sem fadigas,
relacionamentos sem desilusões.
Ser feliz é encontrar força no perdão, 
esperança nas batalhas, 
segurança no palco do medo,
amor nos desencontros. 
Ser feliz não é apenas valorizar o sorriso, 
mas refletir sobre a tristeza. 
Não é apenas comemorar o sucesso,
mas aprender lições nos fracassos. 
Não é apenas ter júbilo nos aplausos,
mas encontrar alegria no anonimato. 
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver,
apesar de todos os desafios,
incompreensões e períodos de crise. 
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas 
e se tornar um autor da própria história. 
É atravessar desertos fora de si, 
mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma. 
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida. 
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. 
É saber falar de si mesmo. 
É ter coragem para ouvir um “não”.
É ter segurança para receber uma crítica, 
mesmo que injusta. 
Ser feliz é deixar viver a criança livre, 
alegre e simples que mora dentro de cada um de nós. 
É ter maturidade para falar “eu errei”. 
É ter ousadia para dizer “me perdoe”. 
É ter sensibilidade para expressar “eu preciso de você”. 
É ter capacidade de dizer “eu te amo”.
É ter humildade da receptividade.
Desejo que a vida se torne um canteiro de oportunidades para você ser feliz…
E, quando você errar o caminho, recomece.
Pois assim você descobrirá que ser feliz não é ter uma vida perfeita.
Mas usar as lágrimas para irrigar a tolerância.
Usar as perdas para refinar a paciência.
Usar as falhas para lapidar o prazer.
Usar os obstáculos para abrir as janelas da inteligência.
Jamais desista de si mesmo.
Jamais desista das pessoas que você ama.
Jamais desista de ser feliz,
pois a vida é um obstáculo imperdível,
ainda que se apresentem dezenas de fatores a demonstrarem o contrário.
“Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo…”



Fernando Pessoa

Meu Coração

Meu coração bate sem saber
Que meu peito é uma porta que ninguém vai atender
Quem sente agora está ausente
Quem chora agora está por fora
Quem ama agora está na cama doente
Só corre nunca chega na frente
Se chega é pra dizer vou embora
Sorriso não me deixa contente
E todas as pessoas que falam pra me consolar
Parecem um bocado de bocas se abrindo e fechando
Sem ninguém pra dublar
Eu já disse adeus antes mesmo de alguém me chamar
Não sirvo pra quem dá conselho
Quebrei o espelho, torci o joelho, não vou mais jogar



Arnaldo Antunes

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Poema em Linha Reta (Citado por Osmar Prado)

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana 
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...



Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Fernando Pessoa 

 

Na Noite Terrível

Na noite terrível, substância natural de todas as noites,
Na noite de insônia, substância natual de todas as minhas noites,
Relembro, velando em modorra incômoda,
Relembro o que fiz e o que poderia ter feito na vida.
Relembro, e uma angústia
Espalha-se por mim como um frio do corpo ou um medo.
O irreparável do meu passado - esse é que é o cadáver!
Todos os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão.
Todos os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte.
Todos os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures,
Na ilusão do espação e do tempo,
Na falsidade do decorrer.
Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei;
O que só agora vejo que deveria ter feito,
O que só agora claramente vejo que deveria ter sido
Isso é que é morto para além de todos os Deuses,
Isso - e foi afinal o melhor de mim - é que nem os Deuses fazem viver...
Se em certa altura
Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;
Se em certo momento
Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim;
Se em certa conversa
Tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro
Se tudo isso tivesse sido assim
Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro
Seria insensivelmente levado a ser outro também.
Mas não virei para o lado irreparavelmente perdido,
Não virei e nem pensei em virar, e só agora percebo;
Mas não disse não ou não disse sim, e só agora vejo o que não disse;
Mas as frases que faltou dizer nesse momento surgem-me todas, claras, inevitáveis, naturais,
A conversa fechada cocludentemente,
A matéria toda resolvida...
Mas só agora o que nunca foi, nem será para trás, me dói.
O que falhei devéras não tem esperança nenhuma
Em sistema metafísico nenhum.
Pode ser que para outro mundo eu possa levar o que sonhei.
Mas poderei eu levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar
Esses sim, os sonhos por haver, é que são o cadáver.

Enterro-o no meu coração para sempre, e o sossego me cerca
Como uma verdade de que não partilho,
E lá fora o luar, como a esperança que não tenho, é invisível para mim.


Fernando Pessoa

Não Sei Quantas Almas Tenho

Não sei quantas almas tenho. 
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não atem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que sogue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: “Fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu.


Fernando Pessoa

terça-feira, 21 de junho de 2011

Casa Arrumada

 Casa arrumada é assim:
Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação
 e uma boa entrada de luz.
Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico,
um cenário de novela.
Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando,
 ajeitando os móveis, afofando as almofadas...
Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo:
 Aqui tem vida...
Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras
 e os enfeites brincam de trocar de lugar.
Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições fartas,
 que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.
Sofá sem mancha? Tapete sem fio puxado? Mesa sem marca de copo?
Tá na cara que é casa sem festa.
E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.
Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado
 no meio da tarde.
Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante,
passaporte e vela de aniversário, tudo junto...
Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda.
A que está sempre pronta pros amigos, filhos, netos, pros vizinhos...
E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca ou namora a qualquer hora do dia.
Casa com vida é aquela que a gente arruma pra ficar com a cara da gente.
Arrume a sua casa todos os dias.
Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver nela.
E reconhecer nela o seu lugar.

Drummond

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Noite de São João

A noite estava tão mágica
que as estrelas até sorriam
iluminando nosso coração
naquela noite de São João.

O seu olhar tão amado
atravessava a fogueira
vinha ficar ao meu lado
dando-me até tremedeira.
 

Quanta alegria e emoção
que se vive na meninice
o tempo amarrota tudo
sobra só o disse-me-disse.

A escuridão se perfumava
no cheiro de quentão e anizete
a paixão arfava nossos corpos
pureza pairava em nossa mente.

Felicidade faiscava em labaredas
como se fosse algo palpável
ser feliz era fácil, eram veredas
nelas iam firmes nossos passos.

Não fomos longe, é verdade
mas a alegria e a saudade
das festas de São João
nunca saíram do coração.
  

Tere Penhabe

São João

Lua cheia iluminando o céu
Fogueira ardendo na terra
Corações entrelaçados
Abraços apertados
No arrasta pé da paixão
Era noite de São João.
 
Damas vestidas de chita
Cavalheiros com chapéu na mão
A quadrilha marcava a festa
Como manda a tradição
E ao som da velha sanfona
Que não parava de tocar
Trocavam juras de amor
Esperando o sol raiar.


 Augusta Schimidt

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Desiderata


Siga tranqüilamente entre a inquietude e a pressa,
lembrando-se de que há sempre paz no silêncio.
Tanto quanto possível sem humilhar-se,
mantenha-se em harmonia com todos que o cercam.


Fale a sua verdade, clara e mansamente.
Escute a verdade dos outros, pois eles também têm a sua própria história.
Evite as pessoas agitadas e agressivas: elas afligem o nosso espírito.
Não se compare aos demais, olhando as pessoas como superiores ou inferiores a você:
isso o tornaria superficial e amargo.

 
Viva intensamente os seus ideais e o que você já conseguiu realizar.
Mantenha o interesse no seu trabalho,
por mais humilde que seja,
ele é um verdadeiro tesouro na continua mudança dos tempos.
Seja prudente em tudo o que fizer, porque o mundo está cheio de armadilhas.
Mas não fique cego para o bem que sempre existe.
Em toda parte, a vida está cheia de heroísmo.
Seja você mesmo.
Sobretudo, não simule afeição e não transforme o amor numa brincadeira,
pois, no meio de tanta aridez, ele é perene como a relva.



Aceite, com carinho, o conselho dos mais velhos
e seja compreensivo com os impulsos inovadores da juventude.
Cultive a força do espírito e você estará preparado
para enfrentar as surpresas da sorte adversa.
Não se desespere com perigos imaginários:
 

muitos temores têm sua origem no
cansaço e na solidão. 
Ao lado de uma sadia disciplina conserve,
para consigo mesmo, uma imensa bondade.
Você é filho do universo, irmão das estrelas e árvores,
você merece estar aqui e, mesmo se você não pode perceber,
a terra e o universo vão cumprindo o seu destino.
Procure, pois, estar em paz com Deus,
seja qual for o nome que você lhe der.


 


No meio do seu trabalho e nas aspirações, na fatigante jornada pela vida,
conserve, no mais profundo do seu ser, a harmonia e a paz.
 






Acima de toda mesquinhez, falsidade e desengano,
o mundo ainda é bonito.  Caminhe com cuidado, faça tudo para ser feliz
e partilhe com os outros a sua felicidade".

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Mãe, Flor Divina


Mãe é a flor mais bela do jardim,
A que exala o Amor mais puro
E o carinho mais doce e aconchegante...
 


Mãe é a Sagrada Essência do Amor!

 

 Mãe é flor angelical enviada por Deus
Para nos amparar desde o nascimento,
Educar e nos ensinar a caminhar...

 


Mãe é a Extensão do Arquiteto Divino!

 


Mãe tem todos os filhos no coração 
E mesmo depois de crescidos,
Adultos, estão em suas orações...

Mãe é a Rosa Mística, Imaculada Maria!

Mãe é Guerreira, nunca perde a força,
Tem sempre uma palavra de conforto,
Uma palavra de fé e de esperança...

Mãe é Luz, a Alma da Família!

O Amor de Mãe é inquestionável.
É um Amor sublime, terno,
Igual ao Amor de Deus por nós.

Mãe tem o Amor Infinito e Eterno!

Elias Akhenaton


sexta-feira, 8 de abril de 2011

Coelhinho

De olhos vermelhos
De pêlos branquinhos
De pulo bem leve
Eu sou o coelhinho.
Sou muito assustado
Porém sou guloso
Por uma cenoura
Já fico manhoso
.Eu pulo pra frente
Eu pulo pra trás
Dou mil cambalhotas
Sou forte demais.
Comi uma cenoura
Com casca e tudo
Tão grande ela era...
Fiquei barrigudo!

Coelhinho da Páscoa

Coelhinho da Páscoa, que trazes pra mim?
Um ovo, dois ovos, três ovos assim!
Um ovo, dois ovos, três ovos assim!
Coelhinho da Páscoa, que cor eles têm?
Azul, amarelo e vermelho também!
Azul, amarelo e vermelho também!
Coelhinho da Páscoa, com quem vais dançar?
Com esta menina que sabe cantar!
Com esta menina que sabe cantar!
Coelhinho maroto, porque vais fugir?
Em todas as casas eu tenho que ir!
Em todas as casas eu tenho que ir!



Letra e música de O. B. Pohlmann

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Inquisição

O flagelo inquirido pela dor,
Da fé zombou o vagabundo;
Do amor que não pertence a este mundo.
A vida tornou-se para ele em porcaria,
Na pregação morre o incrédulo contundente
Com toda esta gente sem saber o que é certo.
O crente que atira a primeira pedra
Não releva a própria queda eminente,
Logo vem para ele o juízo temerário.
(... Tem uma trave atravessada no seu olho.)
Perseguido o homem certo leva o nome de otário,
Vigia ele e ainda leva culpa.
O vigário da paróquia não entendeu a lei de Deus
Todo pecado tem o mesmo peso na balança
A lança que fere um;
Também fere o outro.
Heresia!
Às vezes somos pura heresia!
E perseguimos como herege o nosso irmão
Não precisa de religião pra ditar o que é certo
O amor esta coberto de razão...
O vilão de toda esta inquisição mundo a fora,
Rola na história escrito com sangue e terror.
Hipócritas!
“Quem vos ensinou a fugir da ira futura!”
É... João Batista estava certo!
Não existe fé sem um coração arrependido,
Só o amor prevalece sobre toda inquisição.
Foi Jesus quem falou...
“Quem não tem pecado que atire a primeira pedra.”
Então, lá se foi a multidão.
Carecendo o vosso ser de um ato de perdão
A seita com tantas pedras na mão,
Atira a fé que transgride o diferente.
Ser cruel é o melhor de nossa gente
Acredite se quiser...
No final somos todos iguais,
Más com pecados diferentes
Vivemos e morremos como um pobre pecador.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Mas que sei eu

Mas que sei eu das folhas no outono
ao vento vorazmente arremessadas
quando eu passo pelas madrugadas
tal como passaria qualquer dono? 

Eu sei que é vão o vento e lento o sono
e acabam coisas mal principiadas
no ínvio precipício das geadas
que pressinto no meu fundo abandono

Nenhum súbito súbdito lamenta
a dor de assim passar que me atormenta
e me ergue no ar como outra folha qualquer

Mas eu sei destas manhãs?
As coisas vêm vão  e são tão vãs
como este olhar que ignoro que me olha.


Ruy Belo

Amor Desmedido


 Cuida amor
O Calor é sintonia
A ventania leve e o beijo
No desejo ruidoso
É caridoso o pensamento.

No vai e vem de gangorras
Sonoras vestes
Despes o versejo
No ensejo que deleita
Aceita e aproveita.

 

Amor desmedido
Colidido rompe o açoite
E na noite vem,
Quem sabe vamos fazer o neném?



Diana Balis

Catatau

Respiro
o canto insiste
é cisne deslumbrante
tudo o mais em mim sucumbe
sou cântaro, pluma e pranto
camaleão-calígrafo sem rumo e alguma rima


a minha poesia é menor
dirá a crítica amanhã.
E de que me valerá,
se estarei morta?




não, não estarei morta
serei igual a borboleta
que se fingiu de porta

não quero ser famosa
nem dar entrevistas
muito menos que especulem minha vida

 

apenas meus poemas
podem ser especulados,
mastigados, lidos de mil modos -
minha melhor pele

fiz o caminho inverso dos outros poetas
vivi primeiro
a erudição veio depois
a arte me salvou a vida

um poema pode levar dias para ser concebido
também o contrário pode acontecer
diversos versos aflorarem de uma vez
é como se diversos espíritos de poetas mortos te visitassem
e colocassem nos teus dedos palavras comoventes

o poeta precisa da situação criadora
a qual não combina com fama
pode combinar com cama, clima, clamor
todo poeta é amor
em palavras
mesmo quando a palavra é dura
há os que precisam de palavras duras

de hoje em diante o meu amor será eterno e duro
desses que se levanta da cama com vontade de dormir
mas com rigidez se põe de pé e se encaminha
(ante a vontade de desistir), a estrela que me guia
a dizer: lá na frente está tua fantasia
o pote inexistente no arco-íris
faço de conta e tantas contas fiz
que nem me levo mais em conta

farei poemas doces
a arte é a única mentira verdadeira e pura
a arte e o mar e o rio e o céu estão em mim
feito perfume.

Ninguém

Toquei minha pele na pele do meu
inimigo. Nunca mais escrevi nome
algum. Ninguém: é o que sou.

Hiberno. Até que tudo retome um
sentido. O desassossego é para ser
sentido a sós.

Beijei a face do meu inimigo. Uma e
Outra. Ele ofereceu-me o corpo.
Negado três vezes: judiação.

Com lâmina afiada, arranquei a pele
do meu braço e rosto. Pergaminho
para escrever nenhum nome.

Hiberno. Enquanto meu corpo se
reveste.

Pele macia a do inimigo. Lobo vestido
de algodão. Boca e língua de castigo.
O verbo: emudecido.

Hiberno.



Poema finalista do Prêmio OFF FLIP 2010

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O Ciúme

 Dorme o sol à flor do Chico, meio-dia
Tudo esbarra embriagado de seu lume
Dorme ponte, Pernambuco, Rio, Bahia
Só vigia um ponto negro: o meu ciúme

O ciúme lançou sua flecha preta
E acertou no meio exato da garganta
Quem nem alegre nem triste nem poeta
Entre Petrolina e Juazeiro canta
Velho Chico vens de Minas

De onde o oculto do mistério se escondeu
Sei que o levas todo em ti, não me ensinas
 

E eu sou só, eu só, eu só, eu
Juazeiro, nem te lembras dessa tarde
Petrolina, nem chegaste a perceber
Mas, na voz que canta tudo ainda arde

Tudo é perda, tudo quer buscar, cadê
Tanta gente canta, tanta gente cala
Tantas almas esticadas no curtume
Sobre toda estrada, sobre toda sala
Paira, monstruosa, a sombra do ciúme

Caetano Veloso

O Tolo na Colina

 
Dia após dia, sentado e só
No alto de uma colina
Um homem vive a pensar
Ninguém sabe o nome dele
Nem se importam com o que ele faz
Todos caçoam dele
Pois um homem normal
Não se importa nem vê
Que os olhares do mal
Brilham mais que os do bem
Noite após noite
Sem par estará
Impassivelmente sentado
Um estático doido a pensar
Ninguém viu nos olhos dele
Nunca o som de uma só palavra
Todos só fogem dele
Pois um homem normal
Não se importa nem vê
Que os olhares do mal
 
 
Brilham mais que os do bem
Ninguém viu que deus é o tolo
Que habitava na sua carne
Pena não perceberem

Zé Ramalho

Cativar...


Que quer dizer "cativar"?
É uma coisa muito esquecida...
Significa criar laços...
Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a 100
mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim...
Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás
para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...
Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol.
Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros.
Os outros passsos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me
chamará para fora da toca, como se fosse música... Então será
maravilhoso quando me tiveres cativado!...
Por favor...cativa-me!
A gente só conhece bem as coisas que cativoui... Mas como não
existem lojas de amigos... Se tu queres um amigo, cativa-me!...
Que é preciso fazer?
É preciso ser paciente... Tu te sentarás primeiro um pouco longe de
mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não
dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas,
cada dia, te sentarás mais perto...




Vós não sois nada ainda. Ninguém ainda vos cativou, nem
cativastes a ninguém... Sois como era a minha raposa. Era uma
raposa igual a 100 mil outras. Mas eu fiz dela um amigo. Ela é agora única no mundo.












Antoine de Saint-Exupéry, O pequeno príncipe

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Tão Bem

Ela me encontrou
Eu tava por aí
Num estado emocional tão ruim
Me sentindo muito mal...
Perdido, sozinho
Errando de bar em bar
Eh!
Procurando não achar
Oh! Yeah!...


Ela demonstrou tanto prazer
De estar em minha companhia
Eu experimentei uma sensação
Que até então não conhecia...
De se querer bem
De se querer quem se tem...
E ela me faz tão bem
Ela me faz tão bem
Que eu também quero
Fazer isso por ela
Ela me faz tão bem
Ela me faz tão bem
Que eu também quero
Fazer isso por ela...

Lulu Santos

Meninos

Vou pro campo
No campo tem flores
As flores têm mel
E mais de noitinha estrelas no céu
O céu da boca da onça é escuro
Não cometa, não cometa, não cometa furo
Pimenta malagueta não é pimentão
Vou pro campo
Acampar no mato
No mato tem pato, gato e carrapato
Canto de cachoeira
Dentro d'água pedrinhas redondas
Quem não sabe nadar não caia nessa onda
A cachoeira é funda e afunda

Não sou tanajura mas eu crio asas
E com os vagalumes eu quero voar
O céu estrelado hoje é minha casa
Que fica mais bonita quando tem luar
Eu quero acordar com os passarinho
Cantar uma canção com o sabiá
Dizem que verrugas são estrelas
Que a gente aponta
Que a gente conta antes de dormir
Eu tenho contado mas não tem nascido
Isso é história de nariz comprido
Deixe de mentir
Os sete anões pequeninos
Sete corações de meninos
E a alma leve
São folhas e flores ao vento
O sorriso e o sentimento
Da Branca de Neve

Não sou tanajura mas eu crio asas
E com os vagalumes eu quero voar
O céu estrelado hoje é minha casa
Que fica mais bonita quando tem luar
Eu quero acordar com os passarinhos
Cantar uma canção com o sabiá
Quero acordar com os passarinhos
Cantar uma canção com o sabiá
 Renato Teixeira