quarta-feira, 17 de julho de 2013

Mistério

O que penso eu do mundo? 
Sei lá o que penso do mundo! 
Se eu adoecesse pensaria nisso. 

Que ideia tenho eu das cousas? 
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos? 
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma 
E sobre a criação do Mundo? 

Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos 
E não pensar. É correr as cortinas 
Da minha janela (mas ela não tem cortinas). 

O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério! 
O único mistério é haver quem pense no mistério. 
Quem está ao sol e fecha os olhos, 
Começa a não saber o que é o sol 
E a pensar muitas cousas cheias de calor. 
Mas abre os olhos e vê o sol, 
E já não pode pensar em nada, 
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos 
De todos os filósofos e de todos os poetas. 
A luz do sol não sabe o que faz 
E por isso não erra e é comum e boa. 
...
O único sentido íntimo das cousas 
É elas não terem sentido íntimo nenhum. 
...
Se Deus é as flores e as árvores 
E os montes e sol e o luar, 
Então acredito nele, 
Então acredito nele a toda a hora, 
E a minha vida é toda uma oração e uma missa, 
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos. 

Mas se Deus é as árvores e as flores 
E os montes e o luar e o sol, 
Para que lhe chamo eu Deus? 
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar; 
Porque, se ele se fez, para eu o ver, 
Sol e luar e flores e árvores e montes, 
Se ele me aparece como sendo árvores e montes 
E luar e sol e flores, 
É que ele quer que eu o conheça 
Como árvores e montes e flores e luar e sol. 

E por isso eu obedeço-lhe, 
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?). 
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente, 
Como quem abre os olhos e vê, 
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes, 
E amo-o sem pensar nele, 
E penso-o vendo e ouvindo, 
E ando com ele a toda a hora. 

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema V" 


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