quinta-feira, 31 de março de 2011

Mas que sei eu

Mas que sei eu das folhas no outono
ao vento vorazmente arremessadas
quando eu passo pelas madrugadas
tal como passaria qualquer dono? 

Eu sei que é vão o vento e lento o sono
e acabam coisas mal principiadas
no ínvio precipício das geadas
que pressinto no meu fundo abandono

Nenhum súbito súbdito lamenta
a dor de assim passar que me atormenta
e me ergue no ar como outra folha qualquer

Mas eu sei destas manhãs?
As coisas vêm vão  e são tão vãs
como este olhar que ignoro que me olha.


Ruy Belo

Amor Desmedido


 Cuida amor
O Calor é sintonia
A ventania leve e o beijo
No desejo ruidoso
É caridoso o pensamento.

No vai e vem de gangorras
Sonoras vestes
Despes o versejo
No ensejo que deleita
Aceita e aproveita.

 

Amor desmedido
Colidido rompe o açoite
E na noite vem,
Quem sabe vamos fazer o neném?



Diana Balis

Catatau

Respiro
o canto insiste
é cisne deslumbrante
tudo o mais em mim sucumbe
sou cântaro, pluma e pranto
camaleão-calígrafo sem rumo e alguma rima


a minha poesia é menor
dirá a crítica amanhã.
E de que me valerá,
se estarei morta?




não, não estarei morta
serei igual a borboleta
que se fingiu de porta

não quero ser famosa
nem dar entrevistas
muito menos que especulem minha vida

 

apenas meus poemas
podem ser especulados,
mastigados, lidos de mil modos -
minha melhor pele

fiz o caminho inverso dos outros poetas
vivi primeiro
a erudição veio depois
a arte me salvou a vida

um poema pode levar dias para ser concebido
também o contrário pode acontecer
diversos versos aflorarem de uma vez
é como se diversos espíritos de poetas mortos te visitassem
e colocassem nos teus dedos palavras comoventes

o poeta precisa da situação criadora
a qual não combina com fama
pode combinar com cama, clima, clamor
todo poeta é amor
em palavras
mesmo quando a palavra é dura
há os que precisam de palavras duras

de hoje em diante o meu amor será eterno e duro
desses que se levanta da cama com vontade de dormir
mas com rigidez se põe de pé e se encaminha
(ante a vontade de desistir), a estrela que me guia
a dizer: lá na frente está tua fantasia
o pote inexistente no arco-íris
faço de conta e tantas contas fiz
que nem me levo mais em conta

farei poemas doces
a arte é a única mentira verdadeira e pura
a arte e o mar e o rio e o céu estão em mim
feito perfume.

Ninguém

Toquei minha pele na pele do meu
inimigo. Nunca mais escrevi nome
algum. Ninguém: é o que sou.

Hiberno. Até que tudo retome um
sentido. O desassossego é para ser
sentido a sós.

Beijei a face do meu inimigo. Uma e
Outra. Ele ofereceu-me o corpo.
Negado três vezes: judiação.

Com lâmina afiada, arranquei a pele
do meu braço e rosto. Pergaminho
para escrever nenhum nome.

Hiberno. Enquanto meu corpo se
reveste.

Pele macia a do inimigo. Lobo vestido
de algodão. Boca e língua de castigo.
O verbo: emudecido.

Hiberno.



Poema finalista do Prêmio OFF FLIP 2010