quinta-feira, 27 de maio de 2010

Junho

Eu sei que é junho, o doido e gris seteiro
Com seu capuz escuro e bolorento
As setas que passaram com o vento
Zunindo pela noite, no terreiro
Eu sei que é junho!

Eu sei que é junho, esse relógio lento

Esse punhal de lesma, esse ponteiro,
Esse morcego em volta do candeeiro
E o chumbo de um velho pensamento

 


Eu sei que é junho, o barro dessas horas
O berro desses céus, ai, de anti-auroras
E essas cisternas, sombra, cinza, sul

E esses aquários fundos, cristalinos

Onde vão se afogar mudos meninos
Entre peixinhos de geléia azul
Eu sei que é junho!


Alceu Valença

La Belle De Jour

Ah hei! Ah hei! Ah hei!
Ah! La Belle de Jour!
Ah hei! Ah hei! Ah hei!

Eu lembro da moça bonita
Da praia de Boa Viagem
E a moça no meio da tarde
De um domingo azul
Azul, era Belle de Jour
Era a bela da tarde
Seus olhos azuis como a tarde
Na tarde de um domingo azul
La Belle de Jour!...

Belle de Jour!
Oh! Oh!
Belle de Jour!

La Belle de Jour
Era a moça mais linda
De toda a cidade
E foi justamente prá ela
Que eu escrevi
O meu primeiro blues...


Mas Belle de Jour
No azul viajava
Seus olhos azuis como a tarde
Na tarde de um domingo azul
La Belle de Jour!...

La Belle de Jour!...
Eu lembro da moça bonita
Da praia de Boa Viagem
E a moça no meio da tarde
De um domingo azul
Azul, era Belle de Jour
 




Era a bela da tarde
Seus olhos azuis como a tarde
Na tarde de um domingo azul
La Belle de Jour!...

Belle de Jour!
Oh! Oh!
Belle de Jour!

La Belle de Jour
Era a moça mais linda
De toda a cidade
E foi justamente prá ela
Que eu escrevi
O meu primeiro blues...

Mas Belle de Jour
No azul viajava
Seus olhos azuis como a tarde
Na tarde de um domingo azul
La Belle de Jour!..


Alceu Valença

Ventos de Junho


Ontem os ventos de junho
Dando pontadas de frio
Homens juntando madeira
Numa enorme fogueira
Queimando São João
Moças de pano e de fitas
Danças de bruxas bonitas
Festa de fogo e madeira
Velhas senhoras mineiras
Viúvas de Deus



Trilhas, picadas, atalhos
Conversa a cavalo, amizades de arreio  

E hoje, horizontes farpados, soleiras 
Trancas, tramelas, porteiras 
Que nos caminhos de Minas
Não abrem mais 


Ivan Lins

Maçã de Junho

És a estrela da alvorada
E a madrugada junto ao cais
És tudo o que eu vejo em ti,
És a alegria e muito mais
És a minha maçã de junho
És o teu corpo e o meu
Amo-te mais que à vida,
Que a vida sem ti morreu

És a erva perfumada,

Debruada a girassóis
O trago do café quente
Nas manhãs entre lençois
 



És a minha maça de junho
E a minha noite de verão
Anda, vem comigo,
Vamos,dá-me a tua mão


És o encontro na estrada,

És a montanha e o pôr do sol
O vinho bebido em festa,
És a papoila e o rouxinol

Jorge Palma

Na Subida do Balão


Calendário tá dizendo
Chegou seu mês de junho e
Chegou São João Doidão

Vai ter festa na rua
Vai ter traque de véia na subida do balão
Seu Zé Mário é um festeiro
Chamou os violeiros
Principiando o rastapé
Sanfoneiro puxa o fole
Nós aqui puxemos o gole
De fazer bem buscapé




Acenderam a fogueira 
A quadrilha pegou fogo 
Mal a lenha virou brasa
Uma morena abriu seu jogo
Pras beatas fofoqueiras
Esta moça é janeleira e
Não tem mais jeito não
Pra essa véias fofoqueiras
Quando a moça é janeleira
É igualzinha a de salão

Mas na lua da ribeira
Minha nova companheira
Sem ligar pras casadeiras
Entregou seu coração


Almir Sater

Quando o Junho Chega

Tudo são canções
Foguetes, balões
Quando o Junho chega

há alegria a rodos

Bailamos nós todos
Quando o junho chega

E a natureza

Mostra mais beleza
Quando o junho chega

 


Nascem as paixões
Bailam ilusões
Quando o junho chega

Olha a rusga, que ali vai

Vamo-nos juntar a ela
pois no mês de junho
É que a rusga sai 


Antônio Mafra

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Canção Negra - 13 de Maio -Dia da Discriminação Racial


Ó boca em tromba retorcida
Cuspindo injúrias para o Céu,
Aberta e pútrida ferida
Em tudo pondo igual labéu.

Ó boca em chamas, boca em chamas,
Da mais sinistra e negra voz,
Que clamas, clamas, clamas, clamas,
Num cataclismo estranho, atroz.



Ó boca em chagas, boca em chagas,
Somente anátemas a rir,
De tantas pragas, tantas pragas
Em catadupas a rugir.

Ó bocas de uivos e pedradas,
Visão histérica do Mal,
Cortando como mil facadas
Dum golpe só, transcendental.

Sublime boca sem pecado,
Cuspindo embora a lama e o pus,
Tudo a deixar transfigurado,
O lodo a transformar em luz.

Boca de ventos inclemente
De universais revoluções,
Alevantando as hostes quentes,
Os sanguinários batalhões.

Abençoada a canção velha
Que os lábios teus cantam assim
Na tua face que se engelha,
Da cor de lívido marfim.
Parece a furna do Castigo
Jorrando pragas na canção,
A tua boca de mendigo,
Tão tosco como o teu bordão.

Boca fatal de torvos trenos!
Da onipotência do bom Deus,
Louvados sejam tais venenos,
Purificantes como os teus!
Tudo precisa um ferro em brasa
Para este mundo transformar...

Nos teus Anátemas põe asa
E vai no mundo praguejar!
Ó boca ideal de rudes trovas,
Do mais sangrento resplendor,
Vai reflorir todas as covas,
O facho a erguer da luz do Amor.

Nas vãs misérias deste mundo
Dos exorcismos cospe o fel...
Que as tuas pragas rasguem fundo
O coração desta Babel.

Mendigo estranho! Em toda a parte
Vai com teus gritos, com teus ais,
Como o simbólico estandarte
Das tredas convulsões mortais!
Resume todos esses travos
Que a terra fazem languescer.

Das mãos e pés arranca os cravos
Das cruzes mil de cada Ser.

A terra é mãe! -- mas ébria e louca
Tem germens bons e germens vis...
Bendita seja a negra boca
Que tão malditas coisas diz!


Cruz e Souza

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Sapato Velho


Você lembra, lembra
Daquele tempo
Eu tinha estrelas nos olhos
Um jeito de herói
Era mais forte e veloz
Que qualquer mocinho
De cowboy

Você lembra, lembra
Eu costumava andar
Bem mais de mil léguas
Prá poder buscar
Flores-de-maio azuis
E os seus cabelos enfeitar

Água da fonte
Cansei de beber
Prá não envelhecer
 

Como quisesse
Roubar da manhã
Um lindo pôr-de-sol
Hoje não colho mais
As flores-de-maio
Nem sou mais veloz
Como os heróis

É, talvez eu seja
Simplesmente
Como um sapato velho
Mas ainda sirvo
Se você quiser
Basta você me calçar
Que eu aqueço o frio
Dos seus pés

Água da fonte
Cansei de beber
Prá não envelhecer
Como quisesse
Roubar da manhã
Um lindo pôr-de-sol
Hoje não colho mais
As flores-de-maio
Nem sou mais veloz
Como os heróis

É, talvez eu seja
Simplesmente
Como um sapato velho
Mas ainda sirvo
Se você quiser
Basta você me calçar
Que eu aqueço o frio
Dos seus pés

Talvez eu seja
Simplesmente
Como um sapato velho
Mas ainda sirvo
Se você quiser
Basta você me calçar
Que eu aqueço o frio
Dos seus pés





Roupa Nova

sábado, 8 de maio de 2010

Mãe


Certa vez, perguntaram à Dona Olinda qual era o seu
filho preferido, aquele que ela mais amava.
Ela, deixando entrever um sorriso, respondeu:
-Nada é mais volúvel que um coração de mãe.
E, como mãe lhe respondo:
o filho preferido é aquele a quem me dedico de corpo e alma,
é o filho doente, até que se sare.
O que partiu, até que volte.
O que está cansado, até que descanse.
O que está com fome, até que se alimente.
O que está com sede, até que beba.
O que está estudando, até que aprenda.
O que está nu, até que se vista.
O que não trabalha, até que se empregue.
O que namora, até que se case.
O que casa, até que conviva.
O que é pai, até que crie.
O que prometeu, até que se cumpra.
O que deve, até que pague.
O que chora, até que se cale.
E já com o semblante bem distante daquele sorriso,
completou Dona Olinda:
-O que já me deixou, até que o reencontre.


Do livro: Palavras Encantadas; 
Durval Ângelo e Ana Maria Gonçalves

terça-feira, 4 de maio de 2010

Ser Mãe


A missão de ser mãe quase sempre começa com alguns meses de muito enjôo,
seguido por anseios incontroláveis por comidas estranhas, aumento de peso,
dores na coluna, o aprimoramento da arte de arrumar travesseiros preenchendo
espaços entre o volume da barriga e o resto da cama.
Ser mãe é não esquecer a emoção do primeiro movimento do bebezinho dentro da
barriga.
O instante maravilhoso em que ele se materializou ante os seus olhos, a
boquinha sugando o leite, com vontade, e o primeiro sorriso de
reconhecimento.


Ser mãe é ficar noites  sem dormir, é sofrer com as cólicas do bebê e se
angustiar com os choros inexplicáveis: será dor de ouvido, fralda molhada,
fome, desejo de colo?
  É a inquietação com os resfriados, pânico com a ameaça de pneumonia, coração
partido com a tristeza causada pela morte do bichinho de estimação do
pequerrucho.
Ser mãe é ajudar o filho a largar a chupeta e a mamadeira. É levá-lo para a
escola e segurar suas mãos na hora da vacina.
Ser mãe é se deslumbrar em ver o filho se revelando em suas características
únicas, é observar suas descobertas.
Sentir sua mãozinha procurando a proteção da sua, o corpinho se aconchegando
debaixo dos cobertores.
É assistir aos avanços, sorrir com as vitórias e ampará-lo nas pequenas
derrotas. É ouvir as confidências.
Ser mãe é ler sobre uma tragédia no jornal e se perguntar: E se tivesse sido
meu filho?
E ante fotos de crianças famintas, se perguntar se pode haver dor maior do
que ver um filho morrer de fome.
Ser mãe é descobrir que se pode amar  ainda mais um homem ao vê-lo passar
talco, cuidadosamente, no bebê ou ao observá-lo sentado no chão, brincando
com o filho.
É se apaixonar de novo pelo marido, mas por razões que antes de ser mãe
consideraria muito pouco românticas.
É sentir-se invadir de felicidade ante o milagre que é uma criança dando
seus primeiros passos, conseguindo expressar toscamente em palavras seus
sentimentos, juntando as letras numa frase.
Ser mãe é se inundar de alegria ao ouvir uma gargalhadinha gostosa, ao ver o
filho acertando a bola no gol ou mergulhando corajosamente do trampolim mais
alto.
Ser mãe é descobrir que, por mais sofisticada que se possa ser, por mais
elegante, um grito aflito de mamãe a faz derrubar o suflê ou o cristal mais
fino, sem a menor hesitação.
Ser mãe é descobrir que sua vida tem menos valor depois que chega o bebê.
Que se deseja sacrificar a vida para poupar a do filho, mas ao mesmo tempo
deseja viver mais º não para realizar os seus sonhos, mas para ver a criança
realizar os dela.
É ouvir o filho falar da primeira  namorada , da primeira decepção e quase
morrer de apreensão na primeira vez que ele se aventurar ao volante de um
carro.
É ficar acordada de noite, imaginando mil coisas, até ouvir o barulho da
chave na fechadura da porta e os passos do jovem, ecoando portas adentro do
lar.


Finalmente, é se inundar de gratidão por tudo que se recebe e se aprende com
o filho, pelo crescimento que ele proporciona, pela alegria profunda que ele
dá.
Ser mãe é aguardar o momento de ser avó, para renovar as etapas da emoção,
numa dimensão diferente de doçura e entendimento.
É estreitar nos braços o filho do filho e descobrir no rostinho minúsculo,
os traços maravilhosos do bem mais precioso que lhe foi confiado ao coração:
um Espírito imortal vestido nas carnes de seu filho. A maternidade é uma dádiva. Ajudar um pequenino a desenvolver-se e a
descobrir-se, tornando-se um adulto digno, é responsabilidade que Deus
confere ao coração da mulher que se transforma em mãe.

E  toda mulher que se permite ser mãe, da sua ou da carne alheia, descobre que o filho que depende do seu amor e da segurança que ela transmite, é o
melhor presente que Deus lhe deu.

Cidadão

Tá vendo aquele edifício moço?
Ajudei a levantar
Foi um tempo de aflição
Eram quatro condução
Duas pra ir, duas pra voltar
Hoje depois dele pronto
Olho pra cima e fico tonto
Mas me chega um cidadão
E me diz desconfiado, tu tá aí admirado
Ou tá querendo roubar?
Meu domingo tá perdido
Vou pra casa entristecido
Dá vontade de beber
E pra aumentar o meu tédio
Eu nem posso olhar pro prédio
Que eu ajudei a fazer

Tá vendo aquele colégio moço?
Eu também trabalhei lá
Lá eu quase me arrebento
Pus a massa fiz cimento
Ajudei a rebocar
Minha filha inocente
Vem pra mim toda contente
Pai vou me matricular
Mas me diz um cidadão
Criança de pé no chão
Aqui não pode estudar
Esta dor doeu mais forte
Por que que eu deixei o norte
Eu me pus a me dizer
Lá a seca castigava mas o pouco que eu plantava
Tinha direito a comer

Tá vendo aquela igreja moço?
Onde o padre diz amém
Pus o sino e o badalo
Enchi minha mão de calo
Lá eu trabalhei também
Lá sim valeu a pena
Tem quermesse, tem novena
E o padre me deixa entrar
Foi lá que cristo me disse
Rapaz deixe de tolice
Não se deixe amedrontar

Fui eu quem criou a terra
Enchi o rio fiz a serra
Não deixei nada faltar
Hoje o homem criou asas
E na maioria das casas
Eu também não posso entrar

Fui eu quem criou a terra
Enchi o rio fiz a serra
Não deixei nada faltar

Hoje o homem criou asas
E na maioria das casas
Eu também não posso entrar


Composição: Lucio Barbosa